Por Karina Gutierres, sócia do escritório Bosquê Advocacia
Nos primeiros dias de setembro, fomos impactados pela notícia de uma menina de 11 anos que, um ano depois de dar à luz a um bebê fruto de uma violência sexual, teria engravidado novamente pelo mesmo motivo.
Comparando este caso com o de outra menina, também de 11 anos que, recentemente, teve o aborto legal, garantido por lei, mas negado pelo hospital procurado pela família para realizar o procedimento e induzida por representantes da justiça a não realizá-lo, só posso chegar à conclusão de que estamos falhando terrivelmente na proteção de nossas crianças e adolescentes.
Saiba mais +Onde comprar cinto plus size por um bom preço? Saiba mais e veja dicasÉ de causar ainda mais tristeza esses casos chegarem ao conhecimento público justamente próximo ao aniversário de 32 anos do principal marco legal e regulatório dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA).
Regulamentado pela Lei Federal nº 8.069/1990, em 13 de julho de 1990, o ECA é uma lei de proteção integral à criança e ao adolescente. Uma legislação totalmente protetiva, que visa assegurar os direitos fundamentais dos menores de idade, como o direito à vida, à saúde, ao lazer, ao esporte, à cultura, à alimentação digna, proteção ao trabalho, ou seja, contra o trabalho noturno, insalubre e perigoso, ao respeito e dignidade, entre outros.
A Constituição Federal é a mãe do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas essa nova concepção de infância e de sua prioridade absoluta não foi criada ali, na Constituição. Ela veio de legislações internacionais que já olhavam para a criança no sentido de seus direitos — como a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O Brasil ratificou essa última em setembro de 1990. O Estatuto, também, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos e de proteção, e não mais como objetos. O que também implica o dever do Estado, da família e da sociedade de atuarem como facilitadores desse desenvolvimento.
Saiba mais +Como fazer um resumo de um texto acadêmico?Neste sentido, quando olhamos para os casos dessas duas meninas, e todos os outros milhares de casos de violência que acometem crianças e adolescentes frequentemente em nosso país, temos todo o direito de perguntar: “Onde estavam o Estado, as famílias e a sociedade que não garantiram a proteção dos nossos pequenos contra as violências recorrentes a que são submetidas?”.
Para fins de conhecimento, o ECA é dividido em três eixos. O primário fala das garantias universais e tem caráter preventivo, ou seja, elenca as políticas que devem ser articuladas para que as crianças cresçam em plenas condições. O secundário, chamado de proteção especial (medidas protetivas), trata da criança que sofreu algum tipo de violência, seja da família, da comunidade etc. O terceiro fala das medidas socioeducativas, ou seja, dos adolescentes infratores.
De acordo com o estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável no tocante às violações, tendo em vista que 55% das denúncias feitas possuem este público como vítima. Segundo o mesmo estudo realizado no Brasil, cujo objetivo foi levantar a prevalência das distintas formas de violência sofridas por crianças e adolescentes, a violência física foi a mais prevalente (85%), seguida da emocional.
Saiba mais +Benefícios de falar uma segunda língua – Confira 5 principais vantagens de ser bilíngueAs estatísticas mostram que o Brasil atende às mais rigorosas legislações internacionais no aspecto da proteção à criança e adolescente, porém, na prática, vemos que estes direitos não possuem tanta prioridade, quando observamos os índices de menores aliciados para a criminalidade, sendo obrigados a se submeter ao trabalho infantil para contribuir com a renda da família e, de novo, sofrendo com atos de violência, incluindo a sexual. Em resumo, o maior desafio é fazer valer estes direitos dentro do âmbito familiar e social, com ajuda dos agentes públicos e todo o sistema de proteção, incluindo a implementação de políticas públicas persistentes com enfoque prioritário na criança e no adolescente.
Voltando ao caso da menina grávida pela segunda vez por conta de violência sexual, é óbvio que a primeira gravidez não precisaria ter acontecido. Toda a rede de proteção deveria ter entrado no caso, cada qual com sua responsabilidade, para evitar que isso acontecesse. Mas o sistema de proteção à criança falhou.
Não bastasse isso, ainda foi negado à menina o direito ao aborto legal, pois a mãe não permitiu que fosse realizado porque o médico que atendeu a filha havia afirmado não ser mais possível submetê-la ao procedimento, pois ela e o bebê corriam risco de morte. Sobre a segunda gravidez, a mãe afirmou a repórteres que também é contra a interrupção da gravidez porque entende que aborto é crime.
Saiba mais +O que são tubos multicamadas? Definição, características e vantagensVale destacar que a lei brasileira permite o aborto nos casos de estupro e risco de morte para a gestante, e uma decisão da Justiça estendeu o aval para casos de anencefalia do feto. Considera-se estupro os casos de relação sexual de vítimas menores de 14 anos.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Piauí, que avalia se houve crime de negligência dos pais e das autoridades. Avaliando como seria a aplicação do ECA a esta situação, entendo que não se trata apenas de um caso de polícia. A questão diz respeito à saúde, segurança e integridade de três crianças. É preciso avaliar se a família tem as condições financeiras e emocionais para cuidar dessas crianças e quais providências serão tomadas nessa segunda gestação