Os 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e a necessidade de garantir a sua aplicação na prática

Os 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e a necessidade de garantir a sua aplicação na prática

Por Karina Gutierres, sócia do escritório Bosquê Advocacia

Nos primeiros dias de setembro, fomos impactados pela notícia de uma menina de 11 anos que, um ano depois de dar à luz a um bebê fruto de uma violência sexual, teria engravidado novamente pelo mesmo motivo.

Comparando este caso com o de outra menina, também de 11 anos que, recentemente, teve o aborto legal, garantido por lei, mas negado pelo hospital procurado pela família para realizar o procedimento e induzida por representantes da justiça a não realizá-lo, só posso chegar à conclusão de que estamos falhando terrivelmente na proteção de nossas crianças e adolescentes.

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É de causar ainda mais tristeza esses casos chegarem ao conhecimento público justamente próximo ao aniversário de 32 anos do principal marco legal e regulatório dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente. (ECA).

Regulamentado pela Lei Federal nº 8.069/1990, em 13 de julho de 1990, o ECA é uma lei de proteção integral à criança e ao adolescente. Uma legislação totalmente protetiva, que visa assegurar os direitos fundamentais dos menores de idade, como o direito à vida, à saúde, ao lazer, ao esporte, à cultura, à alimentação digna, proteção ao trabalho, ou seja, contra o trabalho noturno, insalubre e perigoso, ao respeito e dignidade, entre outros.

A Constituição Federal é a mãe do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas essa nova concepção de infância e de sua prioridade absoluta não foi criada ali, na Constituição. Ela veio de legislações internacionais que já olhavam para a criança no sentido de seus direitos — como a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O Brasil ratificou essa última em setembro de 1990. O Estatuto, também, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos e de proteção, e não mais como objetos. O que também implica o dever do Estado, da família e da sociedade de atuarem como facilitadores desse desenvolvimento.

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Neste sentido, quando olhamos para os casos dessas duas meninas, e todos os outros milhares de casos de violência que acometem crianças e adolescentes frequentemente em nosso país, temos todo o direito de perguntar: “Onde estavam o Estado, as famílias e a sociedade que não garantiram a proteção dos nossos pequenos contra as violências recorrentes a que são submetidas?”.

Para fins de conhecimento, o ECA é dividido em três eixos. O primário fala das garantias universais e tem caráter preventivo, ou seja, elenca as políticas que devem ser articuladas para que as crianças cresçam em plenas condições. O secundário, chamado de proteção especial (medidas protetivas), trata da criança que sofreu algum tipo de violência, seja da família, da comunidade etc. O terceiro fala das medidas socioeducativas, ou seja, dos adolescentes infratores.

De acordo com o estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável no tocante às violações, tendo em vista que 55% das denúncias feitas possuem este público como vítima. Segundo o mesmo estudo realizado no Brasil, cujo objetivo foi levantar a prevalência das distintas formas de violência sofridas por crianças e adolescentes, a violência física foi a mais prevalente (85%), seguida da emocional.

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As estatísticas mostram que o Brasil atende às mais rigorosas legislações internacionais no aspecto da proteção à criança e adolescente, porém, na prática, vemos que estes direitos não possuem tanta prioridade, quando observamos os índices de menores aliciados para a criminalidade, sendo obrigados a se submeter ao trabalho infantil para contribuir com a renda da família e, de novo, sofrendo com atos de violência, incluindo a sexual. Em resumo, o maior desafio é fazer valer estes direitos dentro do âmbito familiar e social, com ajuda dos agentes públicos e todo o sistema de proteção, incluindo a implementação de políticas públicas persistentes com enfoque prioritário na criança e no adolescente.

Voltando ao caso da menina grávida pela segunda vez por conta de violência sexual, é óbvio que a primeira gravidez não precisaria ter acontecido. Toda a rede de proteção deveria ter entrado no caso, cada qual com sua responsabilidade, para evitar que isso acontecesse. Mas o sistema de proteção à criança falhou.

Não bastasse isso, ainda foi negado à menina o direito ao aborto legal, pois a mãe não permitiu que fosse realizado porque o médico que atendeu a filha havia afirmado não ser mais possível submetê-la ao procedimento, pois ela e o bebê corriam risco de morte. Sobre a segunda gravidez, a mãe afirmou a repórteres que também é contra a interrupção da gravidez porque entende que aborto é crime.

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Vale destacar que a lei brasileira permite o aborto nos casos de estupro e risco de morte para a gestante, e uma decisão da Justiça estendeu o aval para casos de anencefalia do feto. Considera-se estupro os casos de relação sexual de vítimas menores de 14 anos.

O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Piauí, que avalia se houve crime de negligência dos pais e das autoridades. Avaliando como seria a aplicação do ECA a esta situação, entendo que não se trata apenas de um caso de polícia. A questão diz respeito à saúde, segurança e integridade de três crianças. É preciso avaliar se a família tem as condições financeiras e emocionais para cuidar dessas crianças e quais providências serão tomadas nessa segunda gestação